sábado, 1 de março de 2014

Pretérito Mais-Que-Perfeito

               Tenho inveja de gente mais velha que soube absorver da vida o que ela tem de melhor, o que não significa somente coisas boas. Existe um tipo de sapiência que não se extrai dos livros: ela está intrinsecamente ligada à experiência, ao dia-a-dia, à grande vereda que é a vida. Invejo pois, em minha juventude, anseio e aspiro poder chegar lá com a mesma bagagem que muitos exibem. Triste aquele que passa os dias sem perceber os detalhes fascinantes que compõem a teia diária, que não se surpreendem com a complexidade desse emaranhado de desejos, razões, mistérios, angústias e belezas que compõem o viver. Repudio os sempre felizes, que exibem sorrisos, que se gabam, que se julgam melhores, os que cantam sempre vitória, ao passo que exalto os que choraram, que se amedrontaram, que foram moídos, os rejeitados: esses sim possuem o valor que almejo guardar para enfrentar as vicissitudes da vida.
               

              

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Sentido da Vida

Sentir o cheiro da manhã. Misturar o salgado com o doce. Sentar no terraço às 16:00. Ver os meninos brincando de bola. Rememorar os dias nunca vividos. Revirar os álbuns antigos. Mastigar as palavras. Degustar novos sabores. Brindar à vida. Se perder em ruelas. Descobrir pessoas. Compartilhar momentos. Retirar os sapatos após uma longa caminhada. Acordar e voltar a dormir. Ouvir o cair da chuva. Se esconder no cobertor. Cerveja com amigos. Enterrar os pés na areia. Ouvir o som do mar. Cinema e pipoca. Reler um bom livro. Encontrar uma ótima banda desconhecida. Encontrar dinheiro na roupa. Cafuné. Conhecer novas culturas. Chorar de rir. Pelada aos sábados. Falar com Deus. Ajudar um amigo. Fazer uma criança sorrir. Sonhar acordado. Terminar um jogo difícil. Fechar a prova. Abraços apertados. Banho quente. Piscina no calor. Falar em outro idioma. Provar novos sabores. Comer de madrugada. Passar vergonha bêbado. Ceia de natal. Abrir presentes à meia-noite. Domingo de família reunida. Viajar. Viajar. Viajar.

O bom da vida está nos detalhes.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Tons de verde

Certeza da vitória, certeza da salvação, certeza de benção. O cristianismo exposto nos púlpitos tem seguido a direção do mundo atual, que cada vez mais se distancia da verdade, confecciona ilusões e ludibria as massas. É fácil juntar pessoas com discursos de vida fácil e de melhora certa.

No entanto, infelizmente, esse falatório vai de encontro com tudo que encontramos na bíblia, afinal, Deus me parece preferir as incertezas. Tanto é que para segui-lo precisamos de fé, que é explicada como a certeza das coisas que  não se vêem, o que por si só já nos parece algo meio incerto. Na realidade, o que mais encontramos no cristianismo é a esperança. Temos a expectativa de melhorar nossa vida material, espiritual, e principalmente, a esperança de um dia chegarmos ao lado de Deus. Certamente, não seria necessário fé se a vida com Deus fosse tão exata. Esta, então, seria apenas uma equação matemática.

Por isso, sempre tenho pé atrás quando escuto um cristão que fala no exato, no certo. Tenho receio quando vejo pessoas levantando a mão afirmando que 'tem certeza da salvação'. E lamento muito ver pessoas que realmente acreditam que a vida seja uma ciência exata.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Dicotomia

A beleza é estranha para quem já acostumou com a feiúra.
A paciência é penosa para quem só sabe o que é impulso.
O afeto é vergonhoso para quem só viu desprezo.
A liberdade parece cárcere para quem detém algemas.
O cheio é exagero nos olhos de quem é vazio.
O som incomoda os ouvidos de quem é tolhido.
A luz cega quem é cheio de trevas.
A sabedoria engana quem se deleita na ignorância.
A felicidade é inalcançável para quem é tão fugaz.
O amor é passado para quem não tem futuro.
A vida não passa de um sopro para quem não agradece o respirar.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Espelho

          Não tenho espaço na minha confusão. Minha bagunça é área restrita, ninguém entra sem autorização. O emaranhado de ideias, pensamentos e sentimentos, defeitos e virtudes, verdades e mentiras, conceitos e preconceitos, é longo demais para qualquer um desembaraçar. Gosto da mistura, do desarrumado, do inquieto. Me deito no caos. Talvez seja essa a melhor forma de criptografar quem realmente somos. Sou um misto de tudo, um todo de partes; mostro apenas frações do que compõe meu inteiro. É certo que, tantas vezes, faz falta mostrar tudo. Porém, mais falta ainda faz alguém que compreenda.

          As vezes me perco dentro de mim. Tantas vezes os caminhos se confundem e não consigo enxergar plenamente. Faz parte da caminhada, se perder um pouco, pois quem anda sempre reto acaba perdendo o que não estava planejado. É uma via tortuosa a da introspecção, mas necessária para reavaliar quem somos, onde estamos e para onde estamos indo. É importante saber que todos devem conhecer sua própria confusão. Estou em constante mutação, torcendo por evolução. No meu travesseiro escondo meus medos e anseios. No espelho, escolho a melhor face. Nas minhas janelas encontro luz e trevas, e as minhas varandas as vezes não tem chão. Um mudo barulho com silencio gritante. Tenho um cérebro antíteco, deveras paradoxal. Mas mais do que tudo, uma alma inquieta e um coração que insiste em nunca parar de pulsar.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Rise

Quando reclamávamos com minha avó sobre ela colocar muito açúcar no café, ela sempre respondia: Meu filho, de amargo já basta a vida. Quando penso nessa frase, não sei muito bem qual a reação certa. Por tantas vezes penso como é verdade isso. A vida, muitas vezes, vem de repente e rouba nossos sabores, cores e razões. Sem avisar, leva tudo, e acordamos num quarto vazio, com os fantasmas do que já foi embora. No peito, a dor de uma saudade que nunca mais poderá ser saciada, de um desejo que não será suprido e um vazio que não irá ser preenchido. Quanta coisa já ficou pra trás até aqui, e quantas mais encontrarão um jeito de fugir?
No entanto, quantas vezes também a vida nos surpreende e nos enche de coisas novas? Chega um dia que acordamos e o quarto está mais uma vez decorado, dessa vez com tudo novo. Encontramos, aqui e ali, novas razões para sorrir, novas tintas para colorir, outros temperos para saborear. O vazio não só é preenchido, mas transborda. A saudade ainda continua ali, em uma parede. Porém, não amarga mais a vida. O nosso maior erro é colocar a nossa felicidade no que é efêmero; no que se pode perder. O açúcar perene do nosso existir só desce do céu, e deve ser nossa busca diária e incessante. Quando finalmente encontramos essa solução, os problemas, as tristezas, as angústias e os dissabores virão sim. Mas quando se forem, não vão mais roubar nosso sono e a nossa felicidade.
Quando caímos, fica difícil de enxergar uma maneira de se levantar. Sabe um segredo que insistimos em esquecer? Sempre há um recomeço. E por mais escondido que ele possa estar, no momento certo, ele nos encontra e a gente se reergue. Para cair de novo, talvez, mas nunca para permanecer no chão.

domingo, 23 de dezembro de 2012

A flor e seu menino


                Ele amava sua flor. Amava com todas as forças que alguém poderia amar, uma flor. Todos os dias, tinha o cuidado de regá-la bem, e deixá-la aproveitar o dia ensolarado. Ela parecia vibrar a cada raio de sol que alcançava suas delicadas pétalas, mas, como um belo exemplar de lírio, não podia receber sol a todo o momento. Então, com muito apreço, ele tratava de criar uma sombra todinha pra ela. Nos dias de chuva, observava se sua amada não estava sufocada pela água. Ele amava sua flor.
                Certo dia, acordou de um pesadelo e correu para fora. Já não estava lá seu precioso lírio, aquele que tinha custado todo tempo e paciência. A flor que esgotara suas forças, por quem ele derramou tantas gotas de suor, e fez derramar todo seu amor. Sua bela flor, a mais bela, foi embora. Mas flores não andam, nem conseguem se movimentar por conta própria. Percebeu então que outra pessoa havia tirado-a de seu lugar. Ali, de joelhos em frente ao antigo lugar de seu lírio, chorou. Chorou por acreditar ter se dobrado tanto em prol daquela flor, e agora ela partiu, deixando um buraco não só naquele pedaço de terra, mas também em seu coração. Agora, outro alguém poderia se esbanjar de felicidade com a flor que ele criou, desde o começo. Chorou por pensar que ela levou consigo seus maiores esforços para agora alegrar a vida de outro.
                Ainda em prantos, resolveu andar por outros lugares. Avistou, então, diversos lugares de sua própria casa que ainda não conhecera muito bem. Descobriu infinitas coisas a se fazer, novas formas de se ocupar e de encontrar um motivo para sorrir. Aos poucos, sua flor fora deixando de ser um vazio para se tornar um belo quadro em sua parede. Daqueles que enchem o lugar de alegria. Um bom quadro de lembranças. Foi quando, então, sorriu. Sorriu por finalmente entender que sua flor se fora, mas ele ainda possuía um jardim inteiro a sua volta.